Havia
em França, nos tempos do Rei São Luís (1214 - 1270), um pobre truão, natural de
Compiègne, chamado Barnabé, que ia
de terra em
terra fazendo exercícios de
equilíbrio e habilidade.
Nos
dias de feira estendia na praça pública um velho tapete muito surrado e depois
de ter atraído as crianças e os curiosos com as suas momices aprendidas de um
velho saltimbanco, tomava atitudes surpreendentes e sustentava um prato em
equilíbrio sobre o nariz.
A
multidão olhava-o a princípio com indiferença; mas quando, apoiando-se em ambas
as mãos, de cabeça para baixo, lançava ao ar e amparava com os pés seis bolas
de cobre, que faiscavam aos raios do sol, ou quando, unindo os calcanhares à
nuca, dava ao corpo a forma perfeita de uma roda, e jogava com doze facas nessa
posição difícil, elevava-se no público um murmúrio de admiração e as moedas
choviam aos montes sobre o arruinado tapete.
Contudo,
como a maior parte dos que vivem dos seus talentos, Barnabé de Compiègne
passava medianamente.
Ganhando
o pão com o suor do seu rosto, partilhava em excesso das misérias provenientes
do pecado de nosso pai Adão.
Além
disso, não lhe era possível trabalhar tanto quanto queria. Assim como as
árvores para produzirem frutos e flores, Barnabé necessitava do calor do sol e
da luz do dia para demonstrar as suas excelentes faculdades. Durante o inverno
era uma árvore sem folhas, quase seca. A terra gelada era muito dura para o
infeliz saltimbanco, que tinha fome e
frio na má estação, mas suportava os seus males com paciência e ânimo alegre.
Nunca
meditara sobre a origem das riquezas e da desigualdade entre as classes humanas.
Acreditava cegamente que se este mundo era ruim, o outro não podia deixar de
ser bom, e esta esperança o sustentava. Não imitava os de mau comportamento,
malfeitores ou descrentes que vendiam a sua alma ao diabo. Nunca blasfemava do
nome de Deus e vivia muito honestamente.
Era
um homem de bem, temente a Deus e muito devoto da Santíssima Virgem Maria.
Quando entrava numa Igreja, nunca deixava de ajoelhar-se ante a imagem da Mãe
de Deus e dirigir-lhe esta oração:
"Senhora,
cuidai da minha vida até à hora de minha morte; e depois de eu morrer fazei-me
desfrutar as delícias do Paraíso."
Um feliz encontro
Ao
escurecer de um dia chuvoso, Barnabé caminhava triste e curvado, levando
debaixo do braço as suas seis bolas de cobre e a sua dúzia de facas, embrulhadas
no velho tapete, em busca de um albergue onde pudesse dormir, quando esbarrou
com um frade que seguia o mesmo caminho e a quem saudou cortesmente.
O
frade estranhou um pouco a figura de Barnabé e perguntou:
–
Amigo, por que andais vestido de verde dos pés à cabeça? Será talvez para
representardes um papel em alguma peça misteriosa?
–
Não, meu padre. Sou saltimbanco de profissão e chamo-me Barnabé. O meu ofício
seria o mais belo do mundo se desse para comer todos os dias...
–
Ora, ora Barnabé, cuidado com o que dizes! Não há estado mais feliz que o
monástico! Nele celebram-se as grandezas de Deus, da Virgem Maria e dos Santos!
A vida do religioso é um perpétuo cântico ao Senhor!
B
Meu padre, confesso que falei como ignorante. A vossa profissão não se pode
comparar à minha, e embora tenha certo valor o bailar sustentando na ponta do
nariz uma moeda em equilíbrio sobre um pau, este valor fica a mais de cem
metros abaixo do vosso! Bem quisera eu, como vós, meu padre, cantar diariamente
os ofícios, e muito especialmente o da Santíssima Virgem, por quem sinto
particular devoção. De boa vontade renunciaria à arte em que sou tão
vantajosamente conhecido desde Soissons até Beauvais, em mais de seiscentas
vilas e aldeias, para abraçar a vida monástica!
Ficou
o monge encantado com o discurso arrazoado do saltimbanco, e como tinha muita
experiência, reconheceu em Barnabé um daqueles de quem Nosso Senhor dissera:
"Paz na terra aos homens de boa vontade!" E assim lhe respondeu:
B
Amigo Barnabé, vinde comigo, e eu vos farei entrar no convento do qual sou
prior. O Senhor Deus me colocou no vosso caminho para vos conduzir pela estrada
da salvação!
E
desta forma se fez monge Barnabé.
O Monge Barnabé
No
convento onde foi recebido, os religiosos celebravam à porfia o culto da Santa
Virgem, e cada qual empregava em servi-la todo o talento e habilidade que Deus
lhe concedera.
O
prior, pela sua parte, escrevia livros que tratavam das virtudes da Mãe de
Deus.
Copiava-os
sobre folhas de pergaminho a mão habilíssima do irmão Maurício.
O
irmão Alexandre iluminava-os com delicadas miniaturas. Nelas se via a Rainhado
Céu, sentada num trono, a cujos pés velavam quatro leões, e em volta da sua
cabeça esvoaçavam sete pombas representando os sete dons do Espírito Santo: a
Sabedoria, o Entendimento, o Conselho, a Fortaleza, a Ciência, a Piedade e o
Temor de Deus. Acompanhavam-na seis virgens de cabelos de ouro: a humildade, a
prudência, o recolhimento, o respeito, a castidade e a obediência.
O
irmão Marbódio era igualmente um dos ternos filhos de Maria. Talhava sem cessar
esculturas de pedra, e por isso trazia a barba, as sobrancelhas e os cabelos
brancos de pó. Sempre estava cheio de vigor e alegria na sua avançada idade, e
visivelmente a Rainha do Paraíso protegia o envelhecer do seu bom devoto.
Marbódio
representava-a numa banqueta sobre um estrado, com a fronte cercada por uma
auréola.
Havia
também no convento poetas que escreviam hinos em latim, em honra da
Bem-aventurada Virgem Maria, e até Picardo que narrava os milagres de Nossa
Senhora em língua vulgar e versos rimados.
Ao
ver tal concurso de celebração e tão excelente colheita de obras, Barnabé
lamentava a sua ignorância e simplicidade.
–
Ai de mim! – suspirava, passeando isolado pelo jardinzinho sem sombra do
convento. Que infeliz eu sou por não poder, como os meus irmãos, reverenciar
dignamente a Mãe de Deus, a quem consagrei a ternura de meu coração! Ai de mim!
Ai de mim! Sou um homem rude e sem arte, que não tem para pôr ao serviço da Santíssima
Virgem nem sermões edificantes, nem tratados bem expostos segundo as regras,
nem finas pinturas, nem estátuas perfeitamente esculpidas, nem versos contados
e divididos em cadências. Pobre de mim, que não sei fazer nada disto...
Assim
gemia Barnabé, entregando-se a uma profunda e perigosa tristeza!
Numa
tarde em que os frades se recreavam conversando, ouviu contar a um deles a
história de certo religioso que sabia apenas dizer a "Ave Maria".
Este religioso era desprezado pela sua ignorância; porém, quando morreu,
nasceram de sua boca cinco lírios em louvor das cinco letras do nome de Maria,
e assim foi revelada a sua santidade!
Ao
ouvir aquela narrativa, Barnabé admirou mais uma vez a bondade da Virgem; mas
nem por isso ficou consolado, pois era grande o seu desejo de glorificar a sua
Senhora que está nos céus.
Procurava
um meio, sem conseguir achá-lo, e cada dia se mostrava mais mortificado, até
que, tendo acordado certa manhã muito alegre, correu à capela e ali permaneceu
sozinho por espaço de mais de uma hora. E pela tarde voltou lá.
Desde
então, ia todos os dias à capela nas horas em que a achava deserta, passando
ali boa parte do tempo que os outros monges consagravam ao exercício das artes mecânicas e liberais.
Desde
então, não andava triste, nem suspirava. Tão singular proceder despertou a
curiosidade dos monges. A comunidade começou a se interrogar sobre o motivo a
que obedeceriam os freqüentes desaparecimentos do irmão Barnabé.
O
Prior, que tinha por dever não ignorar coisa alguma que dissesse respeito ao
procedimento dos seus religiosos, resolveu observar Barnabé nos seus
isolamentos. E assim, certo dia em que este se tinha encerrado na capela, como
de costume, o prior, acompanhado por dois frades mais velhos, foi espreitar por
uma brecha da porta o que se passava lá dentro.
Viram
Barnabé de cabeça para baixo, diante do altar da Santíssima Virgem, jogando com
seis bolas e doze facas, ao mesmo tempo!
Fazia,
em louvor da Santa Mãe de Deus, os exercícios que lhe tinham granjeado maior
número de aplausos, e outros ainda que nunca havia feito até então.
Não
compreendendo que aquele homem simples punha assim ao serviço da Virgem o seu
talento e a sua arte, os dois frades mais velhos acusaram-no de sacrilégio e
que estava tomado por um espírito mau.
Sabendo
o Prior que Barnabé tinha a alma inocente, considerou-o atacado de demência.
Dispunham-se
os três frades a expulsá-lo violentamente da capela, quando viram a Santíssima
Virgem sorrir muito comprazida para Barnabé!
Então,
o Prior, curvando a cabeça até juntar o rosto ao chão, disse estas palavras:
–
Bem-aventurados os que tem o coração puro, porque deles é o Reino dos Céus!
–
Amém! B responderam os anciãos osculando a terra.