Continuação dos Comentários ao Pequeno Ofício da Imaculada
O favo do forte
Sansão
Juiz de Israel, dotado de extraordinária força quando
o Espírito Santo o tomava, Sansão decidiu desposar uma mulher dos filisteus, povo
que então oprimia os filhos de Jacob.
Ao conhecerem o insólito desejo de Sansão, seu pai e
sua mãe, perplexos, disseram-lhe (Juiz. XIV, 3-19): “Porventura não há mulheres
entre as filhas de teus irmãos, e entre todo o nosso povo, para que tu queiras
casar com uma dentre os filisteus, que são incircuncidados? Mas Sansão disse a
seu pai: Toma esta para mim, porque agradou aos meus olhos. Ora, seus pais não
sabiam que isto se fazia por disposição do Senhor, e que ele buscava uma ocasião
contra os filisteus, porque naquele tempo os filisteus dominavam sobre Israel.
Sansão
e o favo de mel
“Sansão, pois, com seu pai e sua mãe, foi a Tamnata.
E, quando chegaram às vinhas da cidade, apareceu um leão novo e feroz, e que rugia,
e arremeteu contra ele. Mas o espírito do Senhor apossou-se de Sansão, e ele
despedaçou o leão, fazendo-o em bocados, como se fora um cabrito, sem ter coisa
alguma na mão; e não quis contar isto a seu pai nem a sua mãe. Depois desceu e
falou com a mulher que tinha agradado aos seus olhos.
“E, voltando alguns dias depois para casar com ela,
afastou-se do caminho para ver o cadáver do leão, e eis que na boca do leão
estava um enxame de abelhas e um favo de mel.
“E tomando-o nas mãos, ia-o comendo pelo caminho; e,
chegando onde estavam seu pai e sua mãe, deu-lhes uma parte, que eles também comeram;
mas não lhes quis dizer que tinha tirado aquele mel do corpo do leão.
Enigma
proposto por Sansão
“Foi, pois, seu pai à casa da mulher, e preparou um
banquete para seu filho Sansão, porque assim o costumavam fazer os jovens
(noivos). Tendo-o visto os habitantes daquele lugar, deram-lhe trinta companheiros
para estarem com ele. E Sansão disse-lhes: Propor-vos-ei um enigma; e, se vós
souberdes decifrá-lo dentro dos sete dias da boda, dar-vos-ei trinta vestidos,
e outras tantas túnicas, mas, se o não souberdes decifrar, dar-me-eis a mim
trinta vestidos e outras tantas túnicas. E eles responderam-lhe: Propõe o
enigma, para que o ouçamos. E ele disse-lhes:
“Do que come saiu comida, e do forte saiu doçura.
“E aproximando-se o dia sétimo, disseram à mulher de
Sansão: Acaricia o teu marido, e faze que ele te descubra o que significa o enigma;
e se o não quiser fazer, queimar-te-emos a ti, e à casa de teu pai: porventura
nos convidastes vós para as bodas a fim de nos despojardes? E ela punha-se a
chorar junto de Sansão, e queixava-se dizendo: Tu odeias-me, e não me amas, por
isso não queres declarar-me o enigma, que propuseste aos filhos do meu povo.
Mas ele respondeu: Eu não o quis descobrir a meu pai e a minha mãe, e poderei
declará-lo a ti?
“Ela, pois, chorava diante dele durante os sete dias
da boda; e enfim, ao sétimo dia, sendo-lhe ela importuna, declarou-lho. E ela imediatamente
o descobriu aos seus compatriotas. E eles, no sétimo dia, antes de se pôr o
sol, disseram-lhe:
“Que coisa é mais doce que o mel, e que coisa é mais
forte que o leão?
“E ele disse-lhes: Se vós não tivésseis lavrado com a
minha novilha1, não teríeis decifrado o meu enigma. E apoderou-se dele o espírito
do Senhor e foi a Ascalon, e matou lá trinta homens, e, tirados os seus
vestidos, deu-os àqueles que tinham decifrado o enigma.
“E, sobremaneira irado, voltou para a casa de seu
pai.”
Favo
que trouxe em si o autor da vida
No favo de mel, extraído do cadáver de um leão,
“considera-se a imagem da vida que se encontra no próprio seio da morte, e a
bondade do mel saboroso, colhido numa fonte que naturalmente provoca asco e
repugnância.
“Assim como o favo traz o mel, Maria, ainda que
possuidora de uma natureza mortal, trouxe dentro de si a Jesus, autor da vida.
“Nem podia o celestial mel querer outro favo que não
fosse o puríssimo e alvíssimo favo do imaculado seio de Maria” 2
Mãe
melíflua
Havemos também de considerar no favo de mel colhido
pelo forte Sansão, um símbolo da incomparável doçura de Nossa Senhora.
A respeito desse suave predicado mariano, comenta o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Em um de seus harmoniosos louvores 3 tributados à
Santa Mãe de Deus, assim canta a Igreja: «Ó Virgem lindíssima, ó Mãe melíflua».
“Celestialmente bela, Nossa Senhora está toda
circundada de mel.
Essa conjugação entre a formosura e a suavidade não é
fortuita, pois há certa forma de beleza, embora majestosa, da qual se desprende,
de todos os modos, a doçura do mel.
“A formosura de Nossa Senhora não é apenas extrema,
como também apresenta extrema doçura. Desta emana toda sorte de benevolência e
de bondade.
“Ela é, pois, a Virgem melíflua, cuja suavidade atrai
toda alma que d’Ela se aproxima”4.
Os
lábios de Maria são como um favo de mel
E o Pe. Rolland assim se refere à extraordinária
doçura da Mãe de Deus:
“Se é verdade que a (virtude da] doçura está em proporção
com a pureza, a humildade e a caridade, que cimo de perfeição não atingiu a
doçura de Maria, a mais pura, a mais humilde e a mais amável das criaturas?
“Em Maria, jamais dureza, frieza nem inconstância de
ânimo, mas a graça, a amenidade, a cordialidade perfeitas. Quão doce e amável era
Ela na casa de São Joaquim e de Sant’Ana, no templo de Jerusalém, no exílio, em
Nazaré, durante a Paixão e durante sua permanência sobre a Terra após a
Ascensão! Aproximar-se-Lhe, vê-La, ouvi-La, era indizível felicidade!
“Sua inigualável doçura nos é afirmada pelo próprio
Espírito Santo. Ele a tinha em vista, quando, descrevendo a mulher ideal, disse:
«Ela abriu sua boca à sabedoria, e uma lei de doçura reside em seus lábios».
“A Santa Igreja, em sua liturgia, não deixa de
ressaltar a amabilidade de Maria, nesses breves mas eminentemente expressivos
termos:
«Vossos lábios são como um favo de mel que destila a
suavidade; o leite e o mel estão sobre vossa língua, tanto vossas palavras são
deliciosas». [...]
“Que a inefável doçura de Maria excite, portanto,
nossa entusiasmada admiração, nossa confiança sem limites e, sobretudo, nossa generosa
imitação”5.
1) Isto é, “se vos não tivésseis valido
de minha débil e tímida esposa” (Nota do Pe. Matos Soares, na Bíblia por ele
traduzida e comentada, 6. ed. São Paulo: Paulinas, 1953).
2) Do PEQUENO PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA
CONCEIÇÃO em latim e português com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p.
114.
3) Antífona O Virgo pulcherrima.
4) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.
Conferência em 24/8/1965. (Arquivo pessoal).
5) ROLLAND.
La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910, Vol. I. p. 581-582.