quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Maria - Mãe dos homens

A maternidade espiritual de Nossa Senhora em relação ao gênero humano, e a mediação universal de Maria Santíssima.
Dada a espessa ignorância religiosa que reina entre nós, não falta quem suponha que a Igreja dá a Nossa Senhora o título de Mãe do gênero humano, simplesmente para descrever de certo modo os sentimentos afetuosos e protetores que Ela experimenta em relação aos homens. Como estes sentimentos são próprios às mães, por analogia, Nossa Senhora seria também a nossa Mãe. E nós seríamos, em relação a Ela, pobres mendigos que, na sua generosidade, Ela protege como se fossem filhos.
A realidade, entretanto, é muito outra. Não somos filhos de Nossa Senhora simplesmente por uma adoção afetiva. Ela não é nossa Mãe apenas no terreno fictício ou na ordem sentimental, mas com toda a objetividade, na ordem verídica da vida sobrenatural.
O pecado original e a Redenção
Antes do pecado original, nossos primeiros Pais, vivendo no Paraíso, foram criados por Deus para a glória celeste, que eles poderiam atingir transpondo os umbrais desta vida em um trânsito que não teria a tristeza tétrica da morte, mas o esplendor de uma glorificação.
O pecado original, entretanto, rompendo a amizade em que o gênero humano vivia com Deus, fechou aos homens a porta do Céu, e obstruiu o livre curso da graça de Deus para [nós]. Em outros termos, com a punição do pecado original, os homens perderam qualquer direito ao Céu e à vida sobrenatural da graça.
Se bem que não fosse extinto, isto é, que perdesse a vida terrena, o gênero humano perdeu, pois, o direito à vida sobrenatural. E ele só poderia readquirir tal vida se apresentasse à Justiça divina uma expiação proporcionada à enormidade de seu pecado. (...) Ora, Deus é infinitamente grande. Por aí não é difícil avaliar a gravidade do pecado original. Uma ofensa feita ao Infinito só poderia ser convenientemente resgatada por meio de uma expiação infinitamente grande. E não está no poder do homem, ser contingente por natureza, e envilecido pelo pecado, oferecer ao Criador um tão valioso desagravo. Os pontos que nos ligavam a Deus pareciam, pois, definitivamente cortados, e irremediável a decadência a que se atirara loucamente o gênero humano com o pecado.
Foi para remediar tão insolúvel situação, que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnando-se no seio puríssimo de Maria Virgem, assumiu a natureza humana sem nada perder de sua Divindade, e o Homem-Deus assim constituído se pôde apresentar à Justiça do Pai, como cordeiro expiatório do gênero humano.
Efetivamente, como Homem, Nosso Senhor Jesus Cristo podia oferecer uma expiação que fosse realmente humana. Mas em virtude da dualidade das naturezas n’Ele existentes, essa expiação, se bem que humana, tinha um valor infinito, pois que consistia na efusão generosa e superabundante do Sangue infinitamente precioso do Homem Deus. Assim, no Sacrifício do Calvário, Nosso Senhor aplacou a justiça divina, e fez renascer para o Céu e a vida sobrenatural da graça a humanidade que estava absolutamente morta em tudo quanto se referisse ao sobrenatural. Se Deus, Uno e Trino, é nosso Criador, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnando-Se, se tornou nosso Pai por um título muito especial, que é o da Redenção. Jesus, morrendo, deu-nos a vida sobrenatural. E quem dá a vida é verdadeiramente Pai, no sentido mais amplo da palavra.
Maria é autenticamente nossa Mãe
Se o gênero humano pôde beneficiar-se da Redenção, é porque a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se fez homem, pois que o pecado dos homens deveria ser resgatado.
Ora, se Jesus Cristo assumiu natureza humana, fê-lo em Maria Virgem, e assim esta cooperou de modo eminente na obra da Redenção, transmitindo ao Salvador a natureza humana que nos desígnios de Deus era condição essencial da Redenção. De mais a mais, Maria Santíssima ofereceu de modo inteiro, e sumamente generoso, o seu Filho como vítima expiatória, e aceitou de sofrer com Ele, e por causa d’Ele, o oceano de dores que a Paixão fez brotar em seu Coração Imaculado.
Assim, pois, a Redenção nos veio por Maria Virgem, e sua participação nessa obra de ressurreição sobrenatural do gênero humano foi tão essencial e tão profunda, que se pode afirmar que Maria cooperou para nos fazer nascer para a vida da graça. Pelo que, Ela é, autenticamente, nossa Mãe. Autenticamente, acentuo, pois que não se trata aí de divagações sentimentais ou literárias, mas de realidades objetivas, que, se bem que sobrenaturais, não deixam de ser absolutamente verdadeiras por isso mesmo que são sobrenaturais. (...)
Nossa Senhora, ápice da Criação
De acordo com toda a doutrina católica, o santo Grignion de Montfort mostra, então, as grandezas de Maria Santíssima. Demonstrando que Ela é Mãe, o que há de mais conveniente e de mais necessário até, do que o conhecimento da suprema dignidade e da inexcedível misericórdia que Ela possui?
São Tomás de Aquino diz que Nossa Senhora recebeu de Deus todas as qualidades com que seria possível a Ele cumular uma criatura. De sorte que Ela se encontra no ápice da criação, firmando seu trono acima dos mais altos coros angélicos, e sendo inferior apenas ao próprio Deus, que, sendo só Ele infinito, está infinitamente acima de todos os seres, inclusive de Nossa Senhora.
Costuma-se dizer que Nossa Senhora brilha mais do que o sol, tem a suavidade da lua, a beleza da aurora, a pureza dos lírios, e a majestade do firmamento inteiro. Muita gente supõe que tudo isto não passa de hipérboles, [mas] estas comparações pecam por sua irremediável deficiência. O sol, a lua, a aurora, e todo o firmamento são seres inanimados, e estão, portanto, colocados na última escala da criação. Não é admissível que Deus os fizesse tão formosos, dando ao homem dons menores. E, por isto mesmo, a mais apagada das almas mortas em paz com Deus, tem uma formosura que excede incomparavelmente a de todas as criaturas materiais. Que dizer-se, então, de Nossa Senhora, colocada incalculavelmente acima, não só dos maiores Santos, mais ainda dos Anjos mais elevados em dignidade junto ao trono de Deus?
Um caipira que fosse assistir à solenidade da coroação do Rei da Inglaterra, voltando aos seus pagos natais, possivelmente não encontrasse outros termos para explicar a magnificência daquilo que viu, senão afirmando que foi mais belo do que as festas em casa do Nhô Tonico, o homem menos pobre da região. Se o Rei da Inglaterra ouvisse isto, que outra coisa poderia fazer, senão sorrir?
Pois nós, quando procuramos descrever a formosura de Nossa Senhora com os termos escassos da linguagem humana, fazemos o mesmo papel... e Ela também sorri.
Não recorrer a Maria é “querer voar sem asas”
Não espanta, pois, que seja verdade de fé que Deus se compraz tanto em Nossa Senhora, que um pedido feito por meio d’Ela é sempre atendido, ainda que não conte senão com o apoio d’Ela. E que se todos os Santos pedissem alguma coisa sem ser por meio d’Ela nada conseguiriam. Porque, como diz Dante, querer rezar sem Ela é o mesmo que querer voar sem asas...
Assim, pois, todas as graças nos vêm de Nossa Senhora, e é Ela a medianeira universal de todos os homens, junto a Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas, se todas as graças nos vêm d’Ela, e se nossa vida espiritual não é senão uma longa sucessão de graças a que correspondemos, ou renunciamos a ter vida espiritual, ou devemos compreender que esta será tanto mais suave, mais intensa e mais perfeita, quanto mais próximos estivermos junto daquele único canal de graça, que é Nossa Senhora. Deus é a fonte da graça, Nossa Senhora o único canal necessário, e os Santos meras ramificações, aliás veneráveis e dignas de grande amor, do grande canal que é Nossa Senhora.
Queremos ter a graça inestimável do senso católico? Queremos ter a virtude inapreciável da pureza? Queremos ter o tesouro sem preço, que é o dom da fortaleza, queremos ser ao mesmo tempo mansos e enérgicos, humildes e dignos, piedosos e ativos, meticulosos em nossos deveres e inimigos do escrúpulo, pobres de espírito se bem que jungidos às riquezas do mundo, em uma palavra, fiéis e devotos servidores de Nosso Senhor Jesus Cristo?
Dirijamo-nos ao trono que Deus deu a Nossa Senhora, e, no recesso amoroso da Igreja Católica, nossa Mãe, peçamos a Nossa Senhora, também nossa Mãe, que nos faça semelhantes a seu Divino Filho.
(Extraído do “Legionário” de 10/12/39. Títulos e subtítulos nossos.)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Nossa Senhora de Guadalupe

As aparições de Nossa Senhora de Guadalupe - Padroeira da América Latina
Em 9 de dezembro de 1531, João Diego estava nos arredores da colina Tepeyac, perto da atual Cidade do México, quando, de súbito, ouviu uma música suave e melodiosa que, pouco a pouco, foi se extinguindo. Nesse momento escutou uma lindíssima voz que, no seu idioma nativo, o chamava pelo nome. Era Nossa Senhora de Guadalupe.
Depois de cumprimentá-lo com muito carinho e afeto, Ela lhe dirigiu estas palavras cheias de bondade: “Porque sou verdadeiramente vossa Mãe compassiva, desejo muito que construam aqui para mim um templo, para nele Eu mostrar e dar todo o meu amor, minha compaixão, meu auxílio e minha salvação a ti, a todos os outros moradores desta terra e aos demais que me amam, me invoquem e em mim confiem. Neste lugar quero ouvir seus lamentos, remediar todas as suas misérias, sofrimentos e dores.”
Em seguida, Nossa Senhora pediu a João Diego que fosse ao Palácio do Bispo do México, e lhe comunicasse que Ela o enviava e solicitava a construção do templo.
O prelado não deu crédito às narrações do índio, tanto na primeira como na segunda aparição da Santíssima Virgem a João Diego. Era necessário um “sinal”, para demonstrar que se tratava realmente da Rainha do Céu. Pela terceira vez a Mãe de Deus se fez visível ao indígena e, radiante de doçura, aceitou sem a menor dificuldade conceder-lhe o sinal pedido.
Ordenou-lhe subir à colina de Tepeyac e cortar as flores que ali encontrasse. Esse encargo era impossível, uma vez que lá nunca nasciam flores, e menos ainda no inverno, estação em que se achavam. Mas Diego não duvidou. Subiu a colina e no seu cume encontrou as mais belas e variadas rosas, todas perfumadas e cheias de gotas de orvalho como se fossem pérolas. Cortou-as e guardou-as em sua tilma (o poncho típico dos índios mexicanos). Ao chegar embaixo, Diego apresentou as flores a Nossa Senhora, que as tocou com suas mãos celestiais e voltou a colocá-las na tilma, dizendo ao índio: “Filhinho meu, esta variedade de flores é a prova e sinal que levarás ao bispo. Tu és meu embaixador no qual absolutamente deposito toda confiança. Com firmeza te ordeno que diante do bispo abras tua manta e mostres o que levas.”
E Diego assim o fez. Ao abrir a tilma diante do bispo, caíram as mais preciosas e perfumadas flores e, no mesmo instante, estampou-se no tecido a portentosa imagem da Santíssima Mãe de Deus, que se venera até hoje no Santuário de Guadalupe.
Comentários
Em 12 de dezembro a Igreja celebra, na América Latina, a festa de Nossa Senhora de Guadalupe. A Mãe de Deus apareceu no cerro de Tepeyac (atualmente encravado na cidade de México) ao índio João Diego, recentemente canonizado, e deixou como penhor do seu amor pelo Novo Continente o milagre que até hoje é admirado no Santuário de Guadalupe: a bela figura da Santíssima Virgem estampada no manto do vidente.
No século XVI, Nossa Senhora apareceu em Tepeyac, no México, ao índio João Diego. A Virgem o tratou com bondade e ternura especiais, como não se percebe em outras aparições d’Ela, mesmo nas de Fátima onde Maria Santíssima entretanto se manifesta tão solícita e misericordiosa.
A “menina dos olhos” de Nossa Senhora
A liberdade desse indígena para com a Mãe de Deus era tão grande que, em vez de chamá-la, por exemplo, “minha Rainha”, dizia-Lhe “minha Filhinha”. Hábito realmente contrário ao protocolo, mas aceito com tanta benevolência por Nossa Senhora que, séculos depois, a partir dos avanços da tecnologia, constatar-se-ia numa fotografia da imagem que a figura do índio se acha impressa na pupila dos olhos da Virgem. O objeto daquele singular carinho de Maria estava assim imortalizado. 
Como se sabe, em português, quando se diz de alguém ser “a menina dos meus olhos”, significa estar ele no ponto mais sensível e central de minha atenção e consideração, de meu afeto. Ora, esse simbolismo realizou-se, ao pé da letra, na visão de Nossa Senhora de Guadalupe.
O fato de Nossa Senhora te se manifestado tão extremamente carinhosa e benigna em relação a esse indígena latino-americano foi uma forma de exprimir um particular desvelo em relação ao continente ao qual ele pertencia. Sim, pois não é exagero pensar que aos olhos d’Ela, João Diego representava toda a América Latina. E cada um de nós, simbolizado por esse índio, estava espelhado nos olhos de Maria. Ideia esta que não encerra nenhum disparate, posto ter a Santa Sé declarado Nossa Senhora de Guadalupe como Padroeira da América Latina.
Milagre confirmado pela técnica moderna
É interessante salientar, uma vez mais, que o milagre dessa estampa foi confirmado pela técnica moderna, mediante ampliações fotográficas, etc., conforme noticiou certa vez um importante diário carioca:
Após oito anos de intensas pesquisas, uma comissão de oculistas, químicos, optometristas e desenhistas mexicanos confirmou que os olhos da imagem da Virgem de Guadalupe refletem a fisionomia de Juan Diego, o índio a quem a Senhora apareceu quatro vezes. A comissão declarou que se trata “de figura de um busto de um homem simetricamente colocado (isto é, em cada retina) e que corresponde ao reflexo da córnea de acordo com as leis da ótica”.
Quer dizer, se olho para algo, de acordo com as leis da ótica este algo se reflete em minha retina. Continua a notícia:
O desenhista Salinas Chaves, que fez a descoberta em 1951 quando examinava fotografias ampliadas do rosto da imagem, propôs que Juan Diego fosse canonizado1. A imagem recebe anualmente a visita de mais de três milhões de fiéis 2.
É deveras bonito que, com o auxílio de aparelhos modernos e empregando-se conhecimentos científicos atuais, fique provado que uma pintura dessa natureza não foi produzida por meios humanos. Isto demonstra a intervenção do fator sobrenatural e nos deixa maravilhados. É uma confirmação insuspeita do milagre.
Uma imensa família de nações católicas
Posta essa extraordinária constatação, devemos nos voltar de modo especial para Nossa Senhora de Guadalupe como Padroeira da América Latina.
No noticiário internacional de nossos dias fala-se muito do bloco latino-americano como um todo, vincando-se a ideia de que este constitui uma imensa família de nações, no sentido católico da palavra. Um bloco, diga-se, e o esperamos ardentemente, que ainda há-de ser esculpido pela Providência para se tornar uma das obras-primas da História.
Ora, essa unidade da América Latina se viu corroborada justamente pelo fato de ter uma Padroeira sob a invocação de Nossa Senhora de Guadalupe, e a coesão desse todo é tão real que, nos domínios de Maria Santíssima, constitui um feudo à parte, sobre o qual Ela deposita particulares desígnios.
Missão de levar ao píncaro a cultura católica
Importa reconhecer que a América Latina representa a herança legada pela Europa católica a este século e aos vindouros. O espírito latino, riquíssimo entre as variantes existentes no gênero humano, possui singular aptidão para as coisas mais elevadas — e, portanto, para as verdades da Fé, para o sobrenatural — que o torna um dos elementos mais preciosos da Igreja Católica.
A latinidade conservou relativamente imunes os valores mais nobres da tradição que a formou. Os povos latinos se modernizaram menos que os americanos do norte e os europeus, e nisto consiste, sob algum aspecto, nosso glorioso “subdesenvolvimento”: ou seja, a distância que ainda nos separa das coisas ruins advindas com a modernidade.
Percebe-se, pelo acima considerado, que a Ibero América tem a missão de levantar e colocar num píncaro o facho da cultura latina católica, inteiramente a serviço da Fé, para brilhar no mundo. Fora disso, ela não tem sentido.
Essa cultura católica está derribada, prostrada, mas revive em nosso continente com todo o viço da juventude e com possibilidades de futuro, conservando e avultando os legados recebidos das expressões culturais incomparáveis da cristandade europeia. Somos o renascimento e o reflorescimento desses valores nas zonas protegidas por Nossa Senhora de Guadalupe.
Fervorosa súplica à Virgem de Guadalupe
Assim, devemos ter a alma bem impostada para pedirmos a Ela, no dia em que a celebramos: antes de tudo, que mantenha a América Latina cada vez mais sujeita e unida a ela. E, por isso mesmo, com todos os vínculos que constituem sua coesão ainda mais acentuados. E que esse imenso potencial, no momento apropriado, se  levante para servir a Santa Igreja, tornando-se o elemento melhor e mais dinâmico para formar uma nova Civilização Cristã. 
Tem-se, na verdade, a impressão de que a América Latina está reservada por Nossa Senhora para ser o imenso território onde a glória do reino d’Ela reluzirá com maior esplendor. Assim, podemos acrescentar essa súplica:
“Nossa Senhora de Guadalupe, realizai em nós esses desígnios a fim de que, quanto antes, venha sobre nós, para nós, o Reino de Maria. Amém.”  
1) O que de fato aconteceu, sendo canonizado pelo Papa João  Paulo II em 31 de julho de 2002. 
) Cf. O Globo, de /1/1975.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

As preces de Maria anteciparam a Redenção

Todos os teólogos são acordes em afirmar que, se a salvação raiou para o mundo na época em que raiou, devemo-lo às preces onipotentes de Maria, que conseguiu antecipar o dia do nascimento do Messias. Ninguém pode dizer quantos anos ou quantos séculos teria ainda demorado a Redenção, sem as preces de Maria.
Não foi, pois, daqueles que, no tempo de Augusto, se agitavam nas praças públicas ou nos conciliábulos políticos para conseguir a reorganização do mundo, que esta reorganização veio. Ela veio da oração humilde e confiante da Virgem Maria, inteiramente ignorada por seus contemporâneos, e vivendo uma vida contemplativa e solitária, no pequeno recanto, onde a Providência a fez nascer.
Sem, com isto, desmerecer por pouco que seja a vida ativa, é preciso notar que foi por meio da oração e da contemplação, que se antecipou o momento da Redenção. E que os benefícios que o gênio de Augusto, o tino de todos os grandes políticos, todos os grandes generais, financistas e administradores de seu tempo não puderam dar ao mundo, Deus os dispensou por meio de Maria Santíssima. Quem mais beneficiou ao mundo não foi quem mais estudou, nem quem mais agiu, mas quem mais e melhor soube orar.

domingo, 27 de novembro de 2011

Incansável e maternal proteção

Nossa Senhora está presente na ininterrupta luta que cada homem trava contra seus defeitos, para adquirir maiores virtudes. E ainda que não nos lembremos d’Ela, Maria intercede por nós no alto do Céu, com uma misericórdia que nenhuma forma de pecado pode esgotar.
Nossa Senhora não é um refúgio apenas para os que tenham cometido faltas leves, mas também para os autores de pecados de gravidade inimaginável e para os culpados das ingratidões inconcebíveis. Pois é próprio da grandeza da Mãe de Deus, na qual tudo é admirável e extraordinário, ser um imenso e perfeito refúgio. Desde que o pecador se volte para Ela, a Virgem Santíssima cheia de bondade o protege, concede-lhe toda espécie de perdão, limpa-lhe a alma, dá-lhe forças para praticar a virtude e o transforma de filho pródigo em homem bom e fiel.

sábado, 26 de novembro de 2011

Nossa Senhora das Graças

A invocação de Nossa Senhora das Graças, cuja festa se prende à aparição da Santíssima Virgem a Santa Catarina Labouré, em 27 de novembro de 1830, muito fala às nossas almas de filhos e devotos d’Ela, porém não diz tudo. Já o título de “Mãe da Divina Graça”, rezado na Ladainha Lauretana, exprime de modo extraordinário a augusta prerrogativa de Maria enquanto medianeira e dispensadora universal dos dons de Deus.
Significados da palavra “graça”
Para melhor compreendermos e amarmos esse atributo de Nossa Senhora, todo voltado a nosso favor, devemos antes analisar os dois sentidos da palavra “graça” na linguagem católica.
Numa primeira acepção, ela quer dizer favor. Por exemplo, se alguém sofre de uma doença, suplica ao Céu a cura e a obtém, pode afirmar: “Recebi uma graça”. É um favor que pediu e no qual foi atendido.
Outra pessoa se encontrará em grave apuro econômico, precisando de auxílio para financiar urgentes necessidades de sua família, e roga a Nossa Senhora que lhe dê a oportunidade de ganhar o dinheiro indispensável. A ocasião se apresenta, ele alcança a soma desejada e resolve seus problemas. Foi uma graça, um favor que lhe foi proporcionado pela Divina Providência.
Há contudo, um sentido muito mais elevado da palavra “graça”. Refere-se a uma dádiva tão imensa, tão suprema, que é a graça por excelência. O que vem a ser?
Na sua infinita misericórdia, e sempre a rogos de Nossa Senhora, Deus concede a todas as almas uma força espiritual que é uma participação na própria vida incriada d’Ele. Essa poderosa assistência divina é a graça santificante, que Ele infunde nas almas no momento do batismo, e que pode ser enriquecida pelo homem ao longo da vida, mediante reiterados atos de virtude, a frequência aos Sacramentos, etc.
Recebendo essa participação na própria vida de Deus, a criatura humana é favorecida por um vigor, uma elevação e uma coragem de alma que caracterizam os santos e santas, beatos e beatas que, em grande quantidade, reluzem no firmamento da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Se procedêssemos a um recenseamento de quantos bem-aventurados existem no Céu, tomando apenas em consideração o calendário litúrgico, o resultado já seria de milhares. Na verdade, porém, o número de santos é muito maior do que o registrado nas hagiografias.
Com efeito, por santo deve-se entender não só aquele que a Igreja proclamou como tal, elevando-o à honra dos altares, mas também todas as almas que, embora desconhecidas, praticaram em vida a perfeição heróica. Passaram pelo mundo de maneira humilde e apagada, não deixaram vestígios pelas veredas da terra. Contudo, ao chegar ao Céu, brilham com luz extraordinária, porque observaram a virtude de um modo igualmente extraordinário.
Esses santos serão por todos conhecidos no dia do Juízo Final, e muitos deles nos aparecerão como estrelas de primeiríssima grandeza. Talvez surpreendidos pela formosura de algum deles, perguntemos ao nosso Anjo da Guarda:
— Mas, aquele admirável que está lá, quem é?
— Ah, aquele? Foi um lixeiro na Terra. Porém, teve tanta resignação carregando o lixo, desempenhou tão bem sua missão de limpar a cidade em que trabalhava, era tão atencioso para com as pessoas com quem tinha de tratar, e de tal maneira fazia isto só por amor de Deus, que toda vez que punha uma carreta de lixo no caminhão da limpeza era como se acendesse uma estrela no Céu. Ou seja, colecionava méritos para a eternidade...
Outro terá sido um homem cheio de poder, riquezas, talentos e posições, recebendo a todo momento elogios e referências às suas grandes qualidades, e a todo instante exposto à tentação do orgulho e da vanglória. Era-lhe fácil tornar-se ébrio de tanto entusiasmo por sua pessoa e posição, todavia compreendeu que o homem nada possui do que se orgulhar: tudo o que lhe pertenceu, recebeu de Deus e se destinava a servir a seu Eterno Benfeitor. Se não tivessem sido empregados em vista deste fim supremo, seus dotes e tesouros não teriam valido coisa alguma. Por isso, aceitando essa verdade, ele nunca consentiu num movimento de presunção e de amor-próprio, levando toda a sua existência na mais perfeita humildade e no desprendimento dos bens terrenos. Santificou-se.
Um terceiro foi, digamos, um governante magnífico. À passagem dele, as multidões se desatavam em cânticos e entusiasmos por suas realizações e seus triunfos. Ele venceu batalhas nas quais lutou pelo bem, pela justiça; construiu cidades, socorreu populações castigadas por inundações, epidemias, e as mais diversas catástrofes. A isto era levado não só pelo fato de ser o chefe da nação, com meios de fazê-lo, mas também porque o movia um intenso amor ao próximo e uma grande sabedoria.
Assim, se era preciso debelar uma peste que assolava certa região de seu país, ele mandava procurar os melhores médicos, conhecedores das melhores técnicas, a fim de que combatessem com toda a rapidez possível aquele mal. Era um homem, enfim, possante em ideias e realizações, mas, sobretudo, em amor de Deus e em caridade fraterna. Virtuoso, ele passou por esta terra sem sujar-se com enlevos e comprazimentos consigo mesmo, faleceu santamente e subiu para o Céu como uma estrela. E ali refulgirá por toda a eternidade.
Como um enxerto da vida divina no homem
Todos esses santos, canonizados ou não, todas essas vitórias do espírito sobre a carne, da virtude sobre o pecado, todos os atos meritórios que qualquer fiel pratica, são frutos desta participação criada na vida incriada de Deus, ou seja, da graça. Uma participação altíssima, que poderia ser comparada, vagamente, a um enxerto.
Tome-se uma árvore comum, na qual é enxertada a muda de uma outra árvore que dá frutos preciosíssimos. Quando chegar a hora da frutificação, esses valiosos rebentos nascerão na árvore que recebeu o enxerto. Assim também é a graça, um como que enxerto da vida incriada de Deus em cada um de nós. Se lhe correspondemos, ela frutifica em nós, elevando-nos a inimagináveis alturas.
A santidade, fruto da correspondência à graça
Essa correspondência à graça significa praticar a virtude, significa evitar a todo custo o pecado. Não deve nos preocupar, neste mundo, se somos muita ou pouca coisa. O único que importa é saber se cumprimos ou não os Mandamentos de Deus, e os desígnios d’Ele a nosso respeito.
Há alguns anos, a Igreja inteira celebrou a glorificação de mais uma heroína da fé: Santa Ana Maria Taïgi. Quem foi ela? Uma distinta senhora, conceituada na sociedade em que viveu, generosa nas esmolas que distribuía? Não. Foi uma cozinheira, uma modesta doméstica no palácio dos príncipes Colona de Roma, no século XIX. Desempenhou de modo perfeito as suas humildes funções, trabalhou incentivada por um ardente amor a Deus, e teve uma vida semeada de dificuldades e sofrimentos — pois ninguém vai para o Céu sem padecer — santamente suportados. Carregou de modo admirável a sua cruz, tornou-se santa e hoje está na bem-aventurança eterna. Uma simples cozinheira, diante de cuja alma, se lhes fosse dado contemplá-la, se poriam de joelhos os maiores potentados da terra...
Tal é o valor e tais são os frutos de nossa correspondência à graça divina.
O excelso papel de Nossa Senhora das Graças
E aqui se faz notória a gloriosa prerrogativa de Nossa Senhora que hoje recordamos.
Como acima entendida, a graça é um imensíssimo favor de Deus que nos é outorgado a todos, desde o momento do batismo, e que não nos é negado ao longo de nossa existência inteira. Até o derradeiro instante do homem, na hora de ele exalar seu último suspiro, a graça o acompanha, o convida, chama e atrai. Mesmo no fundo dos piores pecados, ainda lhe é dado ouvir o solícito apelo da graça, incitando-o à conversão.
Ora, a recepção desse grandíssimo favor e nossa correspondência a ele, não nos é possível sem que nos venha pelas maternais e misericordiosas mãos de Maria.
Ela é a Mãe da Divina Graça, porque Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, fonte, princípio e autor de toda graça. Além disso, por disposição da Providência, Ela é também a dispensadora dos dons e favores celestiais, cuja totalidade constitui inexaurível tesouro que Deus confiou à gerência d’Ela. Nossa Senhora é, portanto, a tesoureira das riquezas divinas.
Esse magnífico predicado mariano nos faz desfrutar, junto a Deus, de uma privilegiada posição. Pois temos a interceder por nós, continuamente, aos pés d’Ele Aquela que detém a chave de todas as graças, Aquela que é a onipotência suplicante e sempre nos obtém aquilo que, por nossos próprios méritos, jamais alcançaríamos. O valor de Nossa Senhora é tal que todas as nossas orações feitas por meio d’Ela são atendidas, de modo particular as preces e os pedidos que se referem à nossa santificação.
Por outro lado, Ela é especialmente Mãe dos que necessitam das preciosas dádivas do Céu. Mãe dos que pugnam sob o estandarte da fé, Mãe dos que se debatem contra as tentações, Mãe dos miseráveis, Mãe dos pecadores, Mãe dos desamparados, Mãe daqueles que quase perderam a esperança da salvação eterna — e para todos, sem exceção, obtém Ela o poderoso auxílio dos dons de Deus.
Essa é Nossa Senhora das Graças, essa é a Mãe da Divina Graça, que tem para com cada um de seus filhos solicitudes e bondades inimagináveis!

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Rosário

Prece dos fortes e dos batalhadores
O Rosário é a prece dos fortes, é a súplica dos batalhadores, porque é um conjunto de orações de tal eficácia que faz avançar o bem e recuar o mal.
Veja-se, por exemplo, o episódio da conversão dos albigenses. A heresia promovida por estes — que tiram seu nome da cidade de Albi, na França — espalhou-se mais ou menos por toda a Europa.
Durante três dias, sozinho, São Domingos não faz senão rezar e jejuar, suplicando a Nossa Senhora que Ela vencesse a dureza de alma dos albigenses e os incitasse à conversão. Por fim, sem alcançar nenhuma resposta do Céu, ele cai desfalecido, elevando à Santíssima Virgem uma última prece: “Minha Mãe, não tenho mais forças, mas em Vós continuo a confiar. Vós sabereis o que fazer de minhas pobres orações”. E continuava a rezar, enquanto seus lábios pudessem articular alguma palavra.
É nesse momento de extrema angústia que Nossa Senhora lhe aparece e lhe revela, de uma vez, a grandeza e a magnificência do Rosário. Em seguida, encoraja São Domingos à luta contra a heresia. Munido da poderosa arma que lhe confiou a Mãe de Deus, o Santo corre para a Catedral, e começa a pregar. O Céu o prestigia: primeiro, os sinos começam a tocar por mãos de anjo; logo depois, raios e trovões fizeram estremecer o povo ali presente.
Como o temor prepara para o amor! São duas escadas que, juntas, conduzem o homem à união com Deus. Uma, de nobre granito, o temor. Outra, de ouro, o amor.
Desejando a Providência preparar aquelas almas endurecidas para amarem a Deus na palavra inflamada de São Domingos, incutiu-lhes antes o terror da ira divina. Depois, à medida que São Domingos falava, sucedeu o mesmo que quando Nosso Senhor ordenou que a tempestade amainasse. A borrasca cessou, e os ouvintes compreenderam que a palavra daquele homem era poderosa diante de Deus. A Providência lhe conferira o duplo poder de desencadear e de suspender as punições, como lhe dera a força de tomar as almas arrependidas, trêmulas e envergonhadas, e trazê-las para o perdão, para a contrição, para o amor de Deus.
São Domingos, o que pregou? Ele pregou o Rosário.
Segundo a história da Igreja, a partir do momento em que o Rosário começou a se difundir, a heresia albigense foi perdendo terreno, porque sofrera irremediável golpe no que ela tinha de mais vital.
O Rosário representa, assim, magnífica arma de guerra. Dessa forma de guerra tão mais importante, na qual o católico luta pelos interesses da verdadeira Igreja de Deus, pela causa de Nossa Senhora, combate o demônio e os inimigos de sua própria salvação.
A prática do Rosário, portanto, deve ser uma característica do católico de todos os tempos, sobretudo os que vivem neste paganizado século XXI, em que tudo conspira contra a virtude e a Fé. Tão eficaz nos dias de São Domingos, vitorioso contra os albigenses, o Rosário o será ainda mais contra a impiedade neste início de milênio. Pois não há razão alguma para pensar que ele perderá sua força numa época em que ela se faz mais necessária.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O Rosário

Não há dúvida de que o Rosário ocupa privilegiadíssimo papel na história da piedade católica. Em primeiro lugar, porque liga o fiel a Nossa Senhora, e atrai para ele toda sorte de graças celestiais. Em segundo lugar, porque afugenta o demônio. Satanás tem ódio e terror do Rosário. Se alguém estiver sendo alvo de uma tentação, tome fervorosamente o Terço nas mãos e ver-se-á fortalecido contra a investida do inimigo de nossas almas.
Excelente meio de venerar a Mãe de Deus, é o Rosário causa de uma incalculável torrente de bênçãos efundido sobre a Cristandade. Por isso, os Papas — como outras autoridades eclesiásticas — não se cansam de elogiá-lo, enriquecendo-o com muitas indulgências. Se tal não bastasse, a Santíssima Virgem, querendo Ela mesma incentivar essa inestimável devoção, mais de uma vez apareceu trazendo nas mãos virginais o piedoso instrumento.
Mistérios gozosos e gloriosos
Meio tanto mais excelente quanto constitui uma meditação das vidas de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora. Cada dezena corresponde a um fato.
Os [mistérios] gozosos são aqueles que, no sentido nobre da palavra, deram razão para gáudio aos Sacratíssimos Corações de Jesus e de Maria. Começando pela alegria da Anunciação, quando se realizaram as castas e indissolúveis núpcias de Nossa Senhora com o Divino Espírito Santo, e Ela conheceu que Deus se servia de suas entranhas puríssimas para a encarnação do Verbo, o qual assim se tornava também filho d’Ela.
A Visitação, em que Ela é saudada por Santa Isabel e entoa o Magnificat, o maior hino de alegria e de vitória que uma pessoa tenha cantado em toda a história! As alegrias do Natal, de que podemos ter pálida ideia se recordarmos os natais que já festejamos, e a emoção que nos toma ao nos acercarmos de um presépio para oscularmos os pés do Menino Jesus. Isto nos permite imaginar a indescritível felicidade de Nossa Senhora naquela bendita noite em que veio ao mundo o Salvador, e a própria alegria d’Ele, ao nascer para a grandiosa missão que O trazia do Céu à terra!
A Apresentação no Templo. A felicidade com que o Menino-Deus se comunicou aos homens, de tal maneira que o Profeta Simeão cantou a glória d’Ele, profetizando tudo quanto Ele seria. E Nosso Senhor, frágil criança, na aparência sem entender, compreendia e inspirava aquele cântico.
Depois, o Encontro de Nossa Senhora e de São José com o Divino Infante no Templo. No momento em que, discutindo com os doutores da Lei, o Menino Jesus resplandecia por seu talento e por sua instrução acerca das Escrituras, viu seus pais se aproximarem... Para Ele deixou de haver tudo: só teve olhos para Nossa Senhora que entrava. A alegria de consolá-La, de pôr fim ao sofrimento d’Ela e ao de São José. Que felicidade!
Tudo isso constitui uma série de deleites extraordinários.
Apenas por facilidade de comentário, passemos dos Mistérios Gozosos do Rosário para os Gloriosos. Muito mais do que a simples alegria, a glória! Esta inicia-se com a Ressurreição: três dias após a morte de Jesus, o sepulcro onde Ele jazia se enche de Anjos, se põe a estremecer. As ataduras caem de seu corpo santíssimo, um perfume mais excelente que o dos unguentos se faz sentir, Nosso Senhor resplandece da glória dos ressurrectos. De cada uma de suas chagas, de cada lugar ferido em sua carne é um sol que nasce! Ele se ergue, atravessa de modo fulgurante a laje do sepulcro e vai ao Cenáculo, encontrar-se com Nossa Senhora!
Como se não bastasse o ressuscitar a si próprio, a glória da Ascensão: o Homem-Deus sobe aos Céus diante de seus apóstolos e discípulos. A atmosfera inteira está feérica de Anjos e de luzes, a natureza se faz dulcíssima, os pássaros cantam, as flores se abrem, as nuvens resplandecem, o azul do firmamento parece uma só e imensa safira. Encantamento geral. Em certo momento, percebem que Nosso Senhor está desaparecendo. Ele sobe, sobe, sobe... Na Terra ficam apenas os homens. Mas a glória d’Ele cobre tudo, de maneira que, quando já ninguém O vê, os homens caem em si: acabou.
Acabou? Não. Outra glória começa: está ali Nossa Senhora que reza recolhida, extasiada. Tem início a presença simbólica d’Ele, ali mesmo, por meio d’Ela.
Em seguida, o terceiro Mistério Glorioso. Nossa Senhora reza com os apóstolos no Cenáculo. A Igreja é pequena, nova, fraca, caminha indecisa entre tantos escolhos e perigos. De súbito, o Espírito Santo desce em forma de chama sobre a venerável cabeça da Rainha do Céu e da Terra. Essa chama se divide em doze e paira sobre os Apóstolos.
Transportados pelo Espírito Santo, transformam-se em outros homens que, entusiasmados, começam a pregar e a ensinar a doutrina do Divino Mestre. Mais uma vez, a glória de Deus resplandece.
Chega o momento da Assunção de Nossa Senhora. Certo dia, um sono ligeiríssimo se transforma em morte. Mais virginal do que nunca, conservando ainda todo o esplendor da juventude dentro da respeitabilidade da ancianidade, Maria Santíssima passou pelo sono dos justos, como um lírio que se colheu e se depositou sobre o altar. Sem conhecer a corrupção do túmulo, também Ela ressuscitou, e também começou a subir aos Céus, rodeada de Anjos que A glorificavam.
O Céu, morada eterna da alegria insondável, da felicidade e da glória imutáveis, tornou-se ainda mais paradisíaco quando Nossa Senhora ali ingressou. Ela, a Medianeira de todas as graças, tomou assento aos pés do Trono da Santíssima Trindade, e foi coroada pela Trindade Beatíssima. É o quinto Mistério do Rosário: a glória de Nossa Senhora no Céu.
Dois píncaros de suma elevação: um, cheio de suavidade, de doçura, de discreta resplandecência dos prazeres de alma íntimos e serenos. Outro píncaro, o das grandes e régias glórias.
Trágicas magnitudes dos Mistérios Dolorosos
Entre os dois ápices, porém, há um vale profundo... É o da dor! No que neste vale há de mais tenebroso, sanguinolento e negro, ergue-se um monte, geograficamente pequeno, entretanto o mais alto monte da Terra: o Calvário! Neste Calvário, uma Cruz. Junto à Cruz, Nossa Senhora. De pé, heróica, vertendo seu pranto de Mãe transpassada de aflição. Cravado nessa Cruz, padecendo inenarráveis dores, com sofrimentos inimagináveis, o Homem-Deus que expira: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonastes?...”
São os Mistérios Dolorosos!
A Agonia ou, como se costuma dizer, a Oração de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto das Oliveiras. Agonia em grego significa luta. Por que luta?
Porque Ele sabia que Judas O estava vendendo. Ele sabia que [os esbirros dos fariseus e dos sacerdotes] viriam para prendê-Lo. Ele sabia que sua Paixão iria começar em breve. Ele conhecia todos os aspectos morais e físicos dessa Paixão. Media, ponto por ponto, todas as ingratidões, maldades, injúrias, friezas e perversidades que fariam contra Ele ao longo daquele caminho. E media as dores que tudo isso causaria à sua Mãe Santíssima. Gotas de sangue irrompem em sua Face, transformam-se em filetes que Lhe escorrem pela barba, embebem sua alva túnica e tingem o chão pedregoso do Getsêmani.
Aparece então um Anjo e Lhe dá de beber um cálice contendo algo que O consola, que Lhe confere forças extraordinárias de alma e de corpo. Ele se recompõe inteiramente e se levanta como um gigante, como um sol, e parte para o supremo sacrifício da Redenção.
Na Agonia, a alma santíssima de Nosso Senhor sofreu de modo inenarrável. E por corolário, à maneira de reflexo, esse sofrimento espiritual ocasionou o suor de sangue. Mas, de si, o corpo sagrado de Jesus ainda não fora atingido. Começou a sê-lo na flagelação. É o segundo Mistério doloroso. Um contraste pungente entre a mansidão, a bondade, a voluntária incapacidade de defender-se, de um lado; e o ódio brutal, estúpido, cruel, de outro lado. No meio de bofetadas, gargalhadas e empurrões, Nosso Senhor é preso à coluna. Com açoites tremendos, os esbirros começam a fustigá-lo furiosamente. Jesus se põe a gemer. Gemidos de insondável doçura, gemidos harmoniosos, saídos de um corpo que se contorce de dor pela brutalidade do tormento que padecia. Pedaços de carne caem no chão, e é carne do Homem-Deus! Seu sangue salvador corre aos borbotões.
Depois temos a Coroação de Espinhos. Por todos os títulos, divinos e humanos, Nosso Senhor Jesus Cristo foi e é verdadeiramente Rei. Insensíveis àquela realeza evidente, que se irradiava do Homem-Deus como a luz se irradia do sol, movidos por estados de espírito diversos, [seus cruéis e irredutíveis adversários] resolveram matá-Lo. E para provar que Ele não tinha poder, nem sabedoria, nem divindade nem realeza, colocam-Lhe, como numa encenação de comédia, a coroa de espinhos sobre a cabeça. Que padecimentos, não apenas físicos, mas sobretudo morais!
Porém, posto naquele trono de irrisão, sentado nele com a mansidão de um cordeiro, tinha Jesus entretanto a altanaria de um leão e a excelsa dignidade de um Rei sentado em seu régio sólio, como quem diz: “Ninguém me abaterá, porque Eu sou Eu, sou Filho de David, mas, sobretudo, sou Filho de Deus!”
Por fim, levam-No à morte. É o carregamento da Cruz até o alto do Calvário. Nosso Senhor não sorriu em face da dor. Quando sua hora chegou, tremeu, se perturbou, suou sangue diante da perspectiva do sofrimento. E neste dilúvio de apreensões, infelizmente por demais fundadas, está a consagração do heroísmo d’Ele. Jesus venceu os brados mais imperiosos, as injunções mais fortes, os pânicos mais atrozes. Tudo se dobrou ante a vontade humana e divina do Verbo Encarnado. Acima de tudo, pairou sua determinação inflexível de fazer aquilo para que havia sido enviado pelo Pai. E quando levava sua Cruz pela rua da amargura, mais uma vez as forças naturais fraquejaram. Caiu, porque não tinha forças. Caiu, mas não se deixou cair senão quando de todo não era possível prosseguir no caminho. Caiu, mas não recuou. Caiu, mas não abandonou a Cruz. Ele a conservou consigo, como a expressão visível e tangível do propósito de a levar ao alto do Gólgota. O Gólgota, o mais alto monte da terra...
Continua no próximo post

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Como um magnífico nascer da lua...

O nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo representou uma honra incomparável para toda a humanidade. Guardadas as proporções, também a vinda de Nossa Senhora ao mundo conferiu particular nobreza ao gênero humano. Foi Ela a criatura mais perfeita nascida até então, concebida sem pecado original, a quem foi dada, desde o primeiro instante de seu ser, uma superabundância de graças.
Compreende-se, pois, a afirmação de que Maria Santíssima está para Nosso Senhor, assim como a lua para o sol: Ela representa a suave e amena luminosidade da lua, e Ele, a onipotente e deslumbrante claridade do sol.
Há, sem dúvida, imensa beleza no despontar do fulgurante astro. Contudo, em certas ocasiões, o aparecimento da lua tem também seu encanto, sua poesia e sua grandeza. A natividade de Nossa Senhora foi, pois, para toda a humanidade, como um magnífico nascer da lua: sol das sombras, sol do repouso, sol das longas meditações e das extensas digressões do espírito...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Maria, Mãe de misericórdia


Os Apóstolos eram pescadores, e os Apóstolos andaram mal. Os Apóstolos conviveram com Nosso Senhor, assistiram milagres fabulosos, expulsões de demônios de uma forma realmente feérica, impressionantíssima, eles fizeram milagres em poder de Nosso Senhor, eles expulsaram demônios em poder de Nosso Senhor e em nome de Nosso Senhor, eles, portanto, estavam participando dos dons, dos carismas que Nosso Senhor dava a eles e que Ele era criador e ao mesmo tempo depositário.
Entretanto, chega na hora “H” eles abandonam Nosso Senhor e cometem aquele horror, são humilhados.
São Pedro mesmo diz que jamais iria abandonar Nosso Senhor, que jamais iria fazer isto, que jamais iria fazer aquilo e Nosso Senhor chega a dizer a ele: “Pedro, antes que o galo cante três vezes tu me negarás”.
Ah! justo São Pedro que era o Apóstolo que mais amava – este é certo, o apóstolo que mais amava era São Pedro – negou três vezes. Esse que era mais cometeu o que havia de pior, porque os outros fugiram e este formalmente negou. Portanto, o que mais pecou depois de Judas foi São Pedro.
Entretanto, depois da morte de Nosso Senhor, procuram Nossa Senhora e Nossa Senhora vai trabalhando a alma deles. E é no convívio com Nossa Senhora que eles vão encontrando perdão.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Apresentação de Nossa Senhora

No dia 21 de novembro a Igreja celebra um dos mais significativos momentos da vida de Nossa Senhora: sua Apresentação no Templo, quando Ela contava apenas três anos de idade. Segundo a tradição, ali a menina permaneceria num contínuo exercício de união com Deus, até a hora de sair para cumprir a augusta missão a que fora predestinada: conceber e trazer ao mundo o Divino Redentor.
Nesta festa da Apresentação de Nossa Senhora, gostaria de comentar algumas reflexões de São Francisco de Sales a tal respeito, publicadas no livro “Os mais belos textos sobre a Virgem”. Assim se exprime o Doutor Suavíssimo:
“É ato de admirável simplicidade o desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua mãe, agia como as outras crianças de sua idade, embora falasse já com sabedoria. Ela ficou como um suave cordeiro junto a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao Templo, para ali ser ofertada como Samuel, que também foi conduzido ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na mesma idade.
“Ó meu Deus, como desejaria poder representar vivamente a consolação e suavidade dessa viagem, desde a casa de Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança vendo chegar a hora que tanto desejara!
“Os que iam ao Templo, para adorar e oferecer presentes à Divina Majestade, cantavam ao longo da viagem. E, para essas ocasiões, o real profeta David compusera expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: Beati inmaculati in via. Bem-aventurados são aqueles, Senhor, que na tua via (ou seja, na observância dos Mandamentos) caminham sem mácula, sem mancha de pecado.
“Os bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana cantavam então esse cântico ao longo do caminho, e com eles, nossa gloriosa Senhora e Rainha.
“Oh Deus, que melodia! Como Ela a entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram estes de tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia. E os Céus, abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém celeste para olhar e admirar essa amabilíssima criança.
“Eu quis vos dizer isso, embora rapidamente, para que tenhais com que vos entreter o resto desse dia considerando a suavidade dessa Virgem. Também para que fiqueis comovidos escutando esse cântico divino que nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente. E isso com os ouvidos de nossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é o ouvido da alma.”
Admiráveis contrastes numa criança imaculada
O fundamento teológico desse trecho de São Francisco de Sales — em que, aliás, transparece toda a doçura e todo o suco dos escritos dele — é a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.
Ela, concebida sem pecado original, desde o primeiro instante de seu ser foi isenta de todas as limitações decorrentes da mancha que herdamos de Adão. Entre essas carências está o fato de o homem nascer sem o uso da sua inteligência, o que só ocorre mais tarde, à medida que ele cresce e se desenvolve. Em Nossa Senhora, porém, essa regra não se verificou. É sentença corrente na Teologia que Ela, tão logo foi concebida, teve imediato uso da sua inteligência, naturalmente altíssima.
Esse singular privilégio fazia com que, uma vez vinda ao mundo, se reunissem na excelsa menina aspectos admiráveis e aparentemente contraditórios. De um lado, possuía Ela, já naqueles primeiros passos de sua existência, uma capacidade de contemplação que sobrepujava a dos maiores Santos da Igreja. Mas, de outro, Ela mantinha uma postura de criança, não exteriorizando a perfeição de sua alma. Desejava assim, por humildade, viver como uma menina comum, de maneira tal que, quem tratasse com a pequena Maria, teria a impressão de estar em contato com uma criança igual a todas — exceto por alguma expressão de olhar ou palavra d’Ela.
Tal o Filho, tal a Mãe
O mesmo se deu com Nosso Senhor Jesus Cristo, que queria ser nutrido, protegido e custodiado como uma criança comum, embora Ele fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra.
Quem poderá imaginar, então, na vida quotidiana de Nossa Senhora e São José, o momento em que era preciso aleitar o Menino-Deus? Ou em que era necessário trocar suas roupinhas, e um dos dois O toma nos braços, reclina-O com todo o carinho sobre uma mesa e começa a vesti-Lo? Sabendo que, unida à natureza humana daquela criancinha que Lhe sorri, daquele menino que tudo entende, mas parece nada entender, está a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, constantemente imersa nas alegrias, nas grandezas, na majestade e nos esplendores divinos!
Quem poderá imaginar a admiração e o aturdimento que tais contrastes despertavam em São José e em Nossa Senhora!?
Pois bem, algo disso se dava igualmente com São Joaquim e Santa Ana, em relação à sua filha imaculada. Ainda que não tivessem conhecimento de que Ela estava predestinada a ser a Mãe do Deus Humanado, certamente compreendiam ser uma menina destinada a altíssima vocação em vista do Messias. Menina que, por vontade própria, levava a vida de uma criancinha como as outras. Simples, cheia de bondade e acessibilidade, deixando que os parentes a tomassem no colo, ou, assim que o foi capaz de fazer, servindo às visitas e dispensando pequenas atenções a todos. Ela, Rainha incomparável, Soberana do Universo!
Cantando, a caminho do Templo
Nessas condições, aos três anos de idade foi Nossa Senhora levada ao Templo por seus pais. E, como já afirmamos, no caminho iam entoando cânticos e salmos compostos pelo Rei David, obedecendo ao lindo costume dos judeus daquela época.
Como se sabe, embora houvesse espalhadas pela Judéia inúmeras sinagogas onde eles se reuniam para rezar e promover certos cultos, o Templo era um só, o de Jerusalém. E os fiéis de todo o território judaico, e também os da Diáspora, dispersos pelo mundo, iam periodicamente a Jerusalém para participar do sacrifício do Templo. E para externar a alegria de se dirigir até o lugar onde se manifestavam a glória e as consolações de Deus, ao lugar que representava o vínculo entre o Céu e a terra, era bonito que eles fossem cantando. Como, aliás, tantas vezes acontece em romarias católicas, nas quais o povo intercala seguidamente preces e hinos religiosos.
Compraz-nos imaginar os caminhos que conduziam à Cidade da Paz, nas épocas de visita ao Templo, repletos de judeus chegados de todos os lados, enchendo com seus cânticos os ares da terra judaica. Numa dessas ocasiões encontravam-se entre eles São Joaquim, Santa Ana e a pequena Maria. Sem dúvida, haveria de ser belo o cântico da menina, entoado com uma voz inefável, repetindo o salmo que David, por inspiração do Espírito Santo, compusera para tais circunstâncias:
“Bem-aventurados os que se conservam sem mácula no caminho, os que andam na lei do Senhor. / Bemaventurados os que estudam os seus testemunhos, os que de todo o coração O buscam.” (Salmo 108)
É interessante notar que, com extraordinária finura de tato, São Francisco de Sales não comenta a impressão que o canto de Nossa Senhora produziria nas pessoas ao redor d’Ela. E isto porque, como a Santíssima Virgem não deixava transparecer sua grandeza, era possível que Ela não cantasse com toda a perfeição que estava a seu alcance. Na realidade, uma música cantada por Nossa Senhora, sem as limitações intencionais impostas por Ela, teria de ser o cântico! Antes e depois de Maria Virgem, excetuando Nosso Senhor Jesus Cristo, ninguém cantou nem igual a Ela.
Mas, se não era dado aos homens compreender a excelência das melodias entoadas por Nossa Senhora, diz São Francisco de Sales que os Anjos a conheciam, e por isso se punham a ouvir, extasiados, as harmonias de alma com que Ela cantava. E São Francisco vai mais longe: compara o Céu a uma cidade, a Jerusalém celeste, em cujos alpendres e terraços os Anjos se debruçavam para contemplar Maria Santíssima cantando pelos caminhos da Judéia. E essa visão os enchia de um gáudio inexprimível.
Ápice da história do Templo
A meu ver, pensamento mais apropriado e mais bonito do que esse, só mesmo o que nos sugere a entrada de Nossa Senhora no Templo de Jerusalém, o lugar mais abençoado da terra, envolto em grandeza e majestade sacrais, e ainda habitado pela glória do Pai Eterno.
Podemos imaginar o estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam no Templo, ao verem Nossa Senhora entrando pela primeira vez na Casa do Altíssimo, como uma Rainha entra naquilo que lhe é próprio; como uma jóia posta no escrínio onde deve ser guardada!
Os espíritos celestiais deviam saber, por revelação de Deus, ser aquele o momento em que a grande história e, ao mesmo tempo, a grande tragédia do Templo iam se iniciar. A história: em breve, o próprio Filho de Deus, nascido de Maria Imaculada, entraria por aquelas sagradas paredes. A tragédia: o Templo ia recusar o Messias. E o fim dessa história e dessa tragédia seriam — no magnífico dizer de um autor eclesiástico (Bossuet) — as pompas fúnebres de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ou seja, assim que Ele expirou, o Pai Eterno começou a preparar suas exéquias: o céu se obscureceu, o sol se toldou, a terra e o Templo tremeram!
No caso deste último, tenho a impressão de que os Anjos receberam ordem divina de abandoná-lo ao poder dos demônios, e que estes fizeram ali uma espécie de festa sacrílega, à maneira de cem mil gatos selvagens soltos naquele local, praticando abominações de toda ordem e fazendo estremecerem as colunas do outrora edifício sagrado.
Mas, apesar de tudo, o Templo conheceu sua plenitude quando Maria atravessou uma vez mais aqueles pórticos — que abandonara para se unir a São José — trazendo em seus braços o Menino Jesus, o Esperado das nações. Mãe e Filho foram recebidos por Ana e Simeão, representantes da fidelidade, os quais reconheceram Jesus como o enviado por Deus. Estava fechado o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa que se cumpria. Era o ápice da história do Templo de Jerusalém.
Ora, o primeiro passo para esse auge foi realizado naquele momento em que Nossa Senhora, menina de três anos, apresentou-se no Templo com seus pais. Quem poderá descrever o que devem ter sentido nessa hora os Simeões e as Anas ali presentes? E as graças, as fulgurações do Espírito Santo que se espargiram pelo Templo nessa ocasião?
Sigamos, porém, o conselho do suavíssimo São Francisco de Sales: conservemos todas essas cogitações em nossa alma, e, tanto quanto possível, pensemos nelas serena e alegremente. Máxime nestes tempos agitados em que vivemos. Nada mais recomendável do que, ao cabo de um dia de faina, nos distendermos na consideração desses fatos: Nossa Senhora, São Joaquim e Santa Ana a caminho do Templo, cantando pelas estradas da Judéia, enquanto nos alpendres da Jerusalém Celeste os mais altos Anjos se debruçam, embevecidos com a alma daquela menina.