terça-feira, 28 de junho de 2011

Confiança em Maria

Falta de fé, falta de milagres
Cabe aqui uma pergunta: por que vemos hoje tão poucos milagres? Na Idade Média, por exemplo, quantas manifestações do sobrenatural! Atualmente, quão raras são as que podemos contemplar! Outrora havia quem enfrentava potentados, filósofos e reis ímpios, dirigindo-lhes a palavra e operando suas conversões, o que em nossos dias parece impossível. Em diversas situações nas quais os católicos corriam graves riscos de sobrevivência e liberdade, saíam vitoriosos porque lhes apareciam Nosso Senhor, Nossa Senhora ou algum Santo para socorrê-los.
Coisas semelhantes quase não mais acontecem, porque o homem contemporâneo não procura imitar a Virgem Santíssima, modelo de fé que move montanhas. Ele não tem a convicção absoluta de que, de fato, o Criador está presente em sua vida, vai ajudá-lo e, se pedir, o atenderá efetivamente. Considera Deus quase como um ser de razão, perdido num céu muito alto, sem nenhum contato nem interesse para com ele. A doutrina católica a respeito da Providência Divina, da sua intervenção na existência de cada um e da Igreja são ensinamentos aceitos, porém não com espírito de fé bastante para se ter, face às dificuldades, a certeza de que Deus agirá no momento preciso.
Total confiança em Nossa Senhora
A respeito dessas virtudes de Nossa Senhora, devemos conservar em nossa mente sobretudo esta idéia: se, ao longo de nossa vida, nos encontrarmos em situações de apuro tal que se faça necessário um milagre de primeira grandeza, devemos esperá-lo. E confiarmos na Santíssima Virgem como Ela — à vista do apuro daqueles esposos em Caná — confiou que a água seria transformada em vinho. É desta ordem a confiança que precisamos ter em Nossa Senhora.
Nossa fraqueza poderia ser comparada à de um paralítico que quisesse transportar o Pão de Açúcar com o polegar, e um dia exclamasse: “Hoje consegui me mexer na cama! Estou, portanto, a caminho de me levantar, e, quando me erguer, transmudarei o Pão de Açúcar”.
 Há momentos em que nos colhe o desânimo e tudo parece remoto. Sobretudo, há ocasiões nas quais, após pressentirmos o advento de muitas coisas boas, ficamos afinal decepcionados, como se tivéssemos na mão uma série de bilhetes de loteria sem valor, porque não foram sorteados. Algo semelhante a uma viagem de automóvel: ao lado de horas agradáveis, de conversa animada, existem outras em que a estrada parece interminável; temos a impressão de estarmos viajando há vários dias, de ainda faltar outro tanto, e até mesmo de que a viagem deverá prolongar-se indefinidamente...
Assim é a nossa vida. Há ocasiões em que se está eufórico e outras nas quais tudo se nos afigura caminhar mal, lento, emperrado, e não conseguimos remover os obstáculos. Pois bem, esta é a fase áurea, se soubermos sempre manter o ânimo.
Passando-se anos e anos nesta vida, tem-se às vezes a impressão de que se andou muito; outras vezes, de que nada se progrediu ou — mais aflitivo — até se retrocedeu. Sobretudo nos momentos de apuro e dificuldades, quando nada parece avançar, devemos nos lembrar de que Nossa Senhora conseguiu de Deus o milagre de transformar a água em vinho. Quem sabe se todos os nossos esforços irão, de repente, produzir um resultado inesperado, devido às orações de Maria Santíssima?
Deve-se ter perseverança e fazer em espírito de oração tudo até o fim, tentando a última possibilidade, ou seja, aquilo que procuramos realizar quando tudo parecia perdido, dará o resultado excepcional, acima mesmo do esperado, graças à infalível e maternal proteção de Nossa Senhora.




segunda-feira, 20 de junho de 2011

O paraíso do novo Adão

Afirma  São Luís Grignon: “Digo com os santos: Maria Santíssima é o paraíso terrestre do novo Adão...” 2 (nº 6).
O paraíso terrestre era cheio de encantos, delícias, perfeições. São Luís Grignion diz que Nosso Senhor estava no ventre puríssimo de Maria Santíssima de modo análogo àquele — excelente e perfeito — com que Adão permanecia no Éden. Portanto, durante a gestação, Nossa Senhora era o paraíso do novo Adão, Jesus Cristo.
Quando, na comunhão, recebemos este mesmo Jesus Cristo acostumado que está a tais paraísos, perguntamo-nos o que Ele achará da nossa hospitalidade? Oferecemos-Lhe ao menos, a Ele que condescende em descer à nossa choupana, o modestíssimo luxo de uma casa limpa?
“... no qual Este se encarnou por obra do Espírito Santo, para aí operar maravilhas incompreensíveis...”
Nosso Senhor, durante sua vida em Maria Santíssima — e esta é uma belíssima idéia que São Luís Grignion desenvolverá mais tarde —, quando Ela era o tabernáculo no qual Ele habitava, já aí operou maravilhas. São Luís Grignion compôs inclusive uma oração dirigida a Nosso Senhor enquanto vivendo em Maria Santíssima — O Jesu, vivens in Maria...
“É o grande, o divino mundo de Deus, onde há belezas e tesouros inefáveis.
Oh! que grandes coisas e escondidas Deus todo-poderoso realizou nesta criatura admirável, di-lo Ela mesma, como obrigada, apesar de sua humildade profunda: ‘Fecit mihi magna qui potens est’ (Lc 1, 49).
O sentido inteiro do cântico do Magnificat só o entenderemos se considerarmos quem é Nossa Senhora. Realmente, é preciso nos lembrarmos do poder de Deus, para compreender que Ele possa ter operado essas maravilhas que n’Ela operou.
“O mundo desconhece estas coisas porque é inapto e indigno.”
Se antes o Santo nos falou que Deus concede a pessoas privilegiadas o favor único de poder penetrar nos umbrais desta devoção, agora se refere a uma geração (no sentido teológico e não biológico) que por sua maldade, impureza, indignidade, detesta tudo isto. É o reverso da medalha.
A devoção mariana é característica de todos os santos
Afirma São Luís: “Os santos disseram coisas admiráveis desta cidade santa de Deus; e nunca foram tão eloqüentes nem mais felizes — eles o confessam — que ao tomá-La como tema de suas palavras e de seus escritos” (nº 7).
Esse trecho nos evidencia uma verdade muito importante. Não se deve pensar que a devoção a Nossa Senhora é um estilo de santidade inaugurado por São Luís Grignion, ou levado por ele ao último grau de intensidade. A devoção especialíssima e intensíssima a Nossa Senhora é característica de todos os santos. E, embora não se possa dizer que todos a tenham conduzido ao ponto levado por São Luís Maria, estudando a vida de piedade de qualquer deles notamos sempre uma devoção ardentíssima a Ela, a qual é a dominante logo abaixo do culto a Deus Nosso Senhor.
Essa devoção, contudo, se reveste em cada um de aspectos particulares. É raro, neste sentido, encontrar algum santo que não tenha cultivado um aspecto novo de piedade em relação à Nossa Senhora. E nenhum deles desconhece dever à intercessão d’Ela, não só seu progresso espiritual, mas até mesmo sua perseverança. Todos passaram por duras provas espirituais, das quais se viram livres por uma intervenção especial d’Ela.
São Francisco de Sales, por exemplo, teve em sua juventude uma terrível crise, relativa ao problema de sua predestinação. Pensando no assunto, ficou quase tragado pelo abismo do tema e foi duramente assediado pelo demônio, o qual lhe insuflava que estava condenado. Isto lhe causou uma tremenda depressão. Começou a emagrecer, perder a saúde, nada havia que lhe restituísse a paz à alma. Certo dia, rezando diante de uma imagem de Nossa Senhora, pediu-Lhe, ainda que tivesse de ir para o inferno, lhe fosse dado não ofender a Deus na Terra — pois seu pavor do inferno não provinha do tormento, mas da idéia de ultrajar eternamente a Deus — e recitou a oração “Memorare o piíssima Virgo Maria” ( Lembrai-Vos), a qual estava escrita no pedestal da imagem. Ele mesmo nos conta que, logo após o término da oração, restabeleceu-se em sua alma uma paz admirável; percebeu então, claramente, o jogo do demônio de que estava sendo vítima, e recuperou aquela serenidade que viria a ser a nota dominante de sua vida espiritual.
Encontramos, assim, na existência de todos os santos, esta constante de uma particular devoção a Nossa Senhora. Ela é, pois, uma característica segura da verdadeira piedade, e devemos absolutamente duvidar da santidade de alguém que não a possua.
Seria sofisma dizer: algo que é especial para todos não o será, por isso, para ninguém. A isto se pode responder: uma mãe com muitos filhos tem, para cada um deles, um carinho especial; e cada filho ama a própria mãe de um modo particular. Assim, cada um de nós deve amar Nossa Senhora de maneira inteiramente própria, especial e inconfundível. Ela, por sua vez, terá para conosco um carinho, que não será genérico, como de quem dissesse: “Eu amo toda aquela gente”; mas sim um afeto particular, que pousará sobre cada um de nós, individualmente considerados, como se só nós existíssemos na face da Terra.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

A importância de se recorrer a Maria Santíssima sob este título tão consolador: o socorro que nos vem sempre, a todo momento, maternal e infatigável.

Linda invocação de uma imagem bizantina
Este quadro é de inspiração bizantina, e não se deve ver nele o gênero de beleza que apresentam as imagens ocidentais, como, por exemplo, Nossa Senhora Auxiliadora, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora de Fátima, etc. Analisando-as, percebe-se que seus rostos são entalhados com requinte e esmero, como a face de uma boneca. Embora não seja esse o tipo de graciosidade refletida na fisionomia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, pintada há vários séculos, entretanto ela nos revela uma intensa expressão.
Difundida na Igreja pelos padres redentoristas, trata-se de uma linda invocação, pois indica a misericórdia invariável de Maria Santíssima. O perpétuo socorro é um auxílio, um ato de clemência, de piedade, ininterrupto, que nunca se detém nem se suspende. “Nunca” significa em nenhum minuto, em nenhum lugar, em nenhum caso. Por pior que seja a situação de quem recorra a Nossa Senhora, sendo a Mãe de misericórdia, Ela sempre o atende.
Sobre o fundo áureo da glória
Esse quadro possui um fundo dourado, bastante usado durante o antigo império romano do Ocidente e do Oriente, e parte da Idade Média, nas pinturas de personagens eminentes, os quais não eram representados pelos artistas em salas, quartos ou paisagens, mas sobre o ouro, a fim de exprimir a idéia de que estavam desligados de qualquer outra coisa que não fosse a glória. Assim, essa imagem representaria o esplendor da Rainha do Céu, com sua fronte circundada por uma auréola ricamente lavorada, como o é também a que emoldura a face do Divino Filho ao braço da Mãe.
Nossa Senhora está revestida de um manto azul que Lhe envolve igualmente a cabeça. Constitui uma espécie de xale, no qual refulge um adorno semelhante a uma estrela. Sob esse manto, a Santíssima Virgem traja uma túnica vermelha frisada com galões de ouro e enfeixada, à altura do pescoço, por uma pedra preciosa.
Todos esses aspectos têm seu simbolismo, por isso devemos notá-los antes de apontar o valor e o alcance de cada um deles.
O Menino Jesus se acha sentado sobre a mão esquerda de Nossa Senhora, inteiramente encostado n’Ela, como uma criança muito familiarizada com sua mãe e tendo prazer de estar junto a seu regaço. Entretanto, se distrai com alguma coisa para a qual está olhando. Dir-se-ia haver, da parte do artista, uma certa imperícia, pois o Divino Infante é um tanto grande para ser carregado dessa forma por Maria Santíssima, dando a impressão de desequilíbrio nas proporções dos personagens. O próprio tipo do corpo d’Ele, sem falar do tamanho, transmite mais a idéia de um adolescente do que um menino. Seja como for — e apesar de algum crítico por demais exigente apontar outros aparentes defeitos, que não são senão expressões do estilo próprio da época e dessa cultura — tal imagem é considerada uma grande e interessante obra de arte.
Vestindo uma túnica verde, o Menino-Deus traz na cintura um tecido róseo e, sobre o ombro direito, uma capa dourada que lhe envolve o resto do corpo. Sendo esta muito ampla, forma numerosas pregas, as quais me parecem bem estudadas, dando a impressão, juntamente com a túnica e a faixa, de naturalidade.
Em cada lado da imagem há um anjo ostentando instrumentos da Paixão. Ambos aparecem de asas e auréola. O da direita, com vestes vermelhas, porta a Cruz que, curiosamente, possui três braços de tamanhos distintos. O da esquerda, de túnica verde, segura uma lança e a esponja na qual foi embebido o fel oferecido a Nosso Senhor no alto do Calvário.
Extraordinário afeto materno
A imagem de Maria é sobremaneira expressiva, devido à atitude profundamente materna que Ela demonstra. É a Mãe que carrega seu Filho com naturalidade e afeto extraordinários, transparecendo a intimidade magnífica da Santíssima Virgem com o Menino Jesus. A expressão de seu olhar é recolhida, de quem reza. Ela segura o Filho com desvelo e, ao mesmo tempo, com imenso respeito e veneração. Está certa de que tem nos braços o próprio Deus encarnado e a sua atitude é de adoração.
A face de Nossa Senhora talvez pudesse ser um pouco mais bem desenhada. Embora a boca seja delicada, o pescoço parece rígido demais, e o nariz se estende num comprimento excessivo. Mas esses pormenores secundários não diminuem o sopro da arte autêntica, patenteado na expressão recolhida e carinhosa da fisionomia, bem como na nobreza do porte.
Tocantes simbolismos
Analisemos agora o simbolismo. Nossa Senhora está revestida de uma túnica vermelha e um manto azul. Nos primeiros séculos do Cristianismo, a cor azul distinguia as virgens e a vermelha, as mães. De maneira que essa conjugação cromática nos apresenta Maria como a Virgem-Mãe. Trata-se de uma bela combinação, um simbolismo acertado e discreto que define Nossa Senhora.
No meu entender, o simbolismo mais tocante está contido no gesto com que a Mãe segura as mãos do Menino Jesus, envolvendo-as suavemente, indicando como Ela governa seu Divino Filho. Tal atitude representava, nos tempos antigos, a homenagem e a obediência do inferior para com seu superior, e do poder deste sobre aquele, pois uma pessoa que segura as mãos de outra evidentemente a domina por inteiro. Então, para mostrar como a virgem pode tudo junto a Deus, através da oração, com muita naturalidade o artista representou o Menino Jesus prestando este ato de submissão à sua Mãe Santíssima. A posição d’Ele é tão natural e freqüente entre as crianças que, sem conhecer esse simbolismo, não se diria que o pintor teve a intenção de exprimi-lo.
É próprio de quadros como esse que o significado dos símbolos quase não aflore, e assim, quem o contemple, pode ter o gosto de adivinhar o sentido de cada um deles. Trata-se de uma ocupação piedosa e nobre, que retém a atenção e é incomparavelmente superior às distrações do tipo palavras-cruzadas, por exemplo... Nossa Senhora segura o Menino Jesus o qual olha para dois anjos portando instrumentos de sua Paixão. Quer dizer, ao mesmo tempo em que se lembra n’Ela a Virgem e a Mãe, recorda-se n’Ele o Redentor do gênero humano, esperado pelos Patriarcas e Profetas.
O socorro por um fio
Pormenor pitoresco, no pé esquerdo do Divino Infante vê-se a sandália bem presa, porém a do pé direito está desatada, quase caindo, como que obrigando-O a um movimento necessário para retê-la. Penso que esta última significa a situação da alma pecadora, sustentada pelo Menino-Deus para não cair no abismo da perdição. Indica, portanto, o perpétuo socorro: é Nossa Senhora que intercede pelo faltoso, junto ao Filho que Ela segura nos braços e pode salvar o homem acabrunhado de culpas.
A sandália desatada, quiçá símbolo de um pecador preso ainda a Jesus por um fio, o último — a devoção a Nossa Senhora.
Nos ângulos superiores do quadro há algumas letras gregas que significam “Mãe de Deus”; à direita do Menino Jesus, outras que querem dizer “Jesus Cristo”. As que aparecem acima do anjo à esquerda significam “São Miguel Arcanjo”, e as que estão sobre o anjo à direita, “São Gabriel”.
Por fim, a estrela que refulge no manto de Nossa Senhora indica, uma vez mais, seu perpétuo e maternal socorro, sua misericórdia infatigável a nos guiar em meio às vagas tormentosas desta vida, rumo ao Céu.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Stabat Mater

Caráter sagrado das relações mãe-filho
No alto do Calvário se encontra Nosso Senhor, na força de sua idade, pregado na Cruz, exposto a um tormento indizivelmente agudo, com o Corpo todo chagado devido aos maus tratos anteriores, a coroa de espinhos ferindo-Lhe a cabeça, prestes a exalar sua alma. Passou por todas as dores e se acha no fim da agonia. D’Ele se poderia dizer, metaforicamente, como o fez a Sagrada Escritura: “Já não era um homem, mas um verme” (Sl 21, 7), e reputado “como um leproso” (Is 53, 4), de tal maneira estava desfigurado, chagado e lanhado.
Conforme predissera o Profeta Isaías, do alto da cabeça até a planta dos pés não havia em Jesus parte sã. Ora, a pessoa nessa situação pungente, própria a despertar a compaixão de todo o mundo, é ao mesmo tempo o Homem-Deus. Sendo o Inocente, e sofrendo o martírio mais injusto, humilhado pela ralé mais infame, tudo quanto contra Ele se executava assumia uma gravidade verdadeiramente infinita. Cometia-se, portanto, um pecado imenso, algo que deveria levantar de indignação até as pedras.
Pois bem, ao pé da Cruz estava a Mãe do Supliciado.
Nada se respeita tanto no mundo quanto uma mãe que chora junto a seu filho morto. Isso faz cessar todas as hostilidades, apodos, qualquer espírito de vingança, toca e inclina as almas para a misericórdia. É a fraqueza feminina no que tem de mais sublime, a condição de mãe posta diante do que há de mais doloroso: o falecimento de seu próprio filho.
Tais sentimentos se verificam inclusive em se tratando do pior dos criminosos, digno da maior execração, justamente condenado à morte. Quando, nas vésperas de sua execução, anuncia-se a visita da mãe dele, tudo se suspende. A irritação despertada contra o sentenciado como que recebe um parênteses, todos acolhem sua progenitora com respeito e a conduzem junto ao filho que ela deseja consolar. E esse réu, objeto da reprovação geral, enquanto está com sua mãe adquire — pela sua condição de filho — uma respeitabilidade a qual pareceria impossível em semelhante facínora. Ninguém o atormenta nem o incomoda. Suspende-se o curso da justiça, até que o contato com sua mãe tenha cessado.
Tudo isso porque a relação mãe-filho é sagrada, envolve reservas de ternura inimagináveis. Em razão do que ela tem de sacrossanto em si, aplaca as cóleras e impõe toda forma de respeito.
Misérias da sensibilidade humana
Ora, no Calvário está a mais perfeita de todas as mães, chorando a ofensa feita a Deus com uma profundidade de sentido que não podemos sequer imaginar. Em face dessa cena compungente ao extremo, era de se presumir que a piedade humana naturalmente se enternecesse.
Se presenciássemos a crueldade de alguém que mata uma cadela, abandonando à própria sorte os filhotes dela sem terem quem lhes procure alimento, sentiríamos uma impressão desagradável, teríamos pena. Pois somos assim, e nos enternecemos — às vezes exageradamente — com a dor sofrida pelos animais.
Então, se temos Fé e acreditamos que Nosso Senhor Jesus Cristo é Deus e morreu na Cruz para nos salvar, que Nossa Senhora existiu e estava ao pé da Cruz, deveríamos ter nossa alma partida de dor e nada poderia nos falar tanto quanto essa situação. Entretanto, devido à miséria da sensibilidade humana, dá-se algo de inconcebível: os mesmos que se deixam comover pelo infortúnio de um bicho, diante da Paixão se tornam “glaciais”, e dizem: “Já sabemos disso, hããã...”. A Morte de Nosso Senhor é uma das estações da Via Sacra. Dos que a rezam, quantos não têm a atenção voltada para outros assuntos? E quantos, mais numerosos, nem sequer dela participam, alegando ocupações mais importantes?
Essa indiferença humana é tão marcante que, depois de apresentar esse quadro, muito judiciosamente o Stabat Mater acrescenta quatro orações nas quais pedimos a Deus algo que deveria borbulhar do fundo das almas: o sentimento de arrependimento, compunção, gratidão; o desejo de aproveitar para si os frutos dessa Redenção, daquelas lágrimas, daquele Sangue, para progredirmos na prática do bem.
Por que existe tal indiferença? Porque esse tema é bonito, elevado, santo, grandioso demais. E pela sua natureza decaída com o pecado original, o homem se tornou tão ruim que, em presença de algo muito sublime, santo e elevado, fica completamente insensível. Há todos os motivos para chorar e se compungir, mas não chora nem sente compunção.
Pedir a graça da verdadeira compunção
Cumpre termos presente que o autêntico movimento de piedade provém de um ato de Fé e amor a Deus, frutos da vida sobrenatural recebida por nós através da graça. Não a podemos adquirir por simples méritos de nossa natureza.
Assim, temos de pedir e desejar ardentemente essa graça insigne: que a Paixão de Nosso Senhor não seja para nós uma coisa morta, poeirenta e distante, ocorrida há séculos, e sim algo de vivo que nos diz respeito diretamente, e nos toque no fundo da alma como sucedeu a todos os santos.
Esse “tocar no fundo da alma” não significa apenas um mero sentimento de tristeza, mas também de solidariedade para compreendermos a inteira relação do holocausto de Jesus conosco, movendo-nos a um ato de genuíno amor a Deus e de correspondência às graças.
Nosso Senhor e a Santíssima Virgem sofreram todas essas dores na intenção de salvar os homens, e mesmo que fosse para resgatar só a mim, as teriam padecido. Eles me conheciam pessoalmente no momento desse sacrifício, pensaram em mim e o aceitaram para me redimir. Assim, hei de corresponder a tanta misericórdia, deixarei de pecar e progredirei na virtude. Quero salvar almas e implantar o Reino de Maria na Terra, como a plena retribuição àquilo que na Paixão foi realizado. É, portanto, esse movimento de alma, sensibilizada pela Paixão, que devemos pedir nas orações.
O sentimento de contrição não se trata de simples choramingar nem de uma dor sensível. Mas é tomar profundamente a sério os dados fornecidos pela Fé, cogitando,por exemplo, no seguinte: até a última gota do Sangue de Nosso Senhor teve de ser derramada, quando a lança perfurou o próprio símbolo do amor, que é o Sagrado Coração. Ele sofreu tudo por mim! Então,a que conclusões devo chegar?
Essa seriedade da alma é a compunção. Muitos santos a tiveram acompanhada de pranto, que é um grande dom: o das lágrimas. Mas este, embora muito conveniente, não é necessário para o autêntico arrependimento.
Portanto, em virtude dos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Devemos pedir a graça da verdadeira compunção.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Doçura em nossas aflições

Maria Santíssima, mais que qualquer um de nós, mostra-se sensibilizada e generosa diante do infortúnio e apuro do próximo.
Ela sabe dizer a palavra amiga, oferecer o suave lenitivo de seu amparo ao coração atribulado, desejoso de encontrar doçura na ajuda alheia. Ela não poupa nada de sua inesgotável clemência, compaixão e misericórdia para com os que se acham em toda espécie de aflições: removendo-as, se pode fazê-lo sem com isto diminuir o benefício espiritual que a provação traria para o socorrido; ou alcançando para este redobradas forças, manifestando-lhe de modo particular a doçura de sua insondável solicitude materna.
Daí o acertado pensamento de Santo Ildefonso: “Ó Virgem Maria, sois clemente em nossas necessidades, doce em nossas tribulações, boa em nossas angústias, pronta a nos socorrer em nossos perigos...”

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Rainha dos Corações

O reinado de Jesus Cristo nas almas, afirma São Luís Maria Grignion de Montfort, só será efetivo quando Nossa Senhora reinar de maneira plena nos corações dos homens.
Supunham os antigos — como ainda hoje o fazem certas pessoas sem instrução especial — que o pensamento era elaborado pelos miolos, os quais seriam, portanto, a fábrica das idéias. Eles não tomavam em consideração o papel espiritual da alma, determinante na gênese dos raciocínios. Ademais, achavam que os atos de vontade se formavam no coração, passando este a ser o símbolo das volições da criatura humana.
Soberana da vontade dos homens
Com base nessa última concepção, surgiu o culto aos corações de Jesus e de Maria, que é a devoção à vontade santíssima de Nosso Senhor e de Nossa Senhora.
Por sua vez, a Mãe de Deus se torna Rainha dos Corações ao ser venerada como a soberana da vontade de todos os homens. Tal domínio devese entender, não como uma violação da liberdade das pessoas, mas pelo fato de Nossa Senhora nos obter e distribuir uma abundância de graças que nos induzem, atraem, com supremo agrado, doçura e clareza para o que Ela deseja de bom para nós.
Assim, é através da celestial influência dessas graças que Maria nos aparece como Rainha de todos os corações.
Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort escreve:
“Maria é a Rainha do Céu e da Terra, pela graça, como Jesus é o Rei por natureza e conquista.”
Ou seja, Nosso Senhor é o Rei do universo por natureza, pois, sendo Homem-Deus, sua essência O constitui Monarca de toda a criação. Já Nossa Senhora é Rainha, não por natureza, mas pela graça recebida de Deus. Rei também é Jesus, por conquista. Com sua Paixão e Morte redimiu o gênero humano e alcançou para Si a realeza sobre o Céu e a Terra.
Continua São Luís:
“Ora, como o reino de Jesus Cristo compreende principalmente o coração ou o interior do homem, conforme a palavra: ‘O reino de Deus está no meio de vós’ (Lc 17, 21)...”
“No meio de vós”, quer dizer, sobre os vossos corações.
“...o reino da Santíssima Virgem está principalmente no interior do homem, isto é, em sua alma, e é principalmente nas almas que Ela é mais glorificada em seu Filho, do que em todas as criaturas visíveis, e podemos chamá-La com os santos a Rainha dos corações”.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Misericórdia infindável

Enquanto dormimos, Maria Santíssima continua a velar por nós, rogando a seu Divino Filho que nos auxilie e nos olhe favoravelmente.
Quando acordamos para um novo dia, e temos a infelicidade de começar a ofender a Deus, Nossa Senhora passa também a nos perdoar e a nos incentivar em atos de virtude. Se A ouvimos, Ela nos sorri e redobra sua solicitude, seu encorajamento maternal. Se, apesar de tudo, caímos, Ela está pronta a nos socorrer sem demora, a nos dirigir sorriso ainda mais terno e consolador, a novamente nos perdoar e reerguer.
Na verdade, a misericórdia de Nossa Senhora não conhece fim.